“Controlando/ A minha maluquez Misturada/ Com minha lucidez Vou ficar/ Ficar com certeza/ Maluco beleza”
Raul Seixas e Claudio Roberto
“Essa história é uma história de louco” talvez, nesse momento, seja a frase mais adequada se pensarmos em uma descrição literal sobre o que pretendo tratar nesse texto: a História Social da Loucura e, em certa medida, a minha relação com ela. Campo relativamente recente para os historiadores brasileiros, pouco mais de 30 anos nos separam da investigação pioneira que o inaugurou por aqui: o livro “O espelho do mundo: Juquery, a história de um asilo” de Maria Clementina Pereira Cunha. É nessa direção que apresentarei brevemente algumas considerações gerais referentes ao campo sobre o qual me debruço e, dias após dia, desenvolvo grande paixão.
A loucura, além de ser uma experiência social, é também uma dimensão intrínseca da nossa cultura. Ou seja, ela existe, sobretudo, porque lotamos de sentidos a existência daqueles que desviam de determinadas normas e padrões socioculturais pré-estabelecidos no bojo de um contrato. Sustentando a concepção de loucura, há uma construção que a define enquanto tal, resultante da disputa entre os diferentes agentes que interagem nesse espaço de conflitos de interesses, movidos segundo seus valores, crenças, prioridades, pontos de vista. Assim, podemos perceber as ambivalências, as disputas, os recalques que emanam do interior desse sistema sociocultural. Nesse ponto, é possível compreender a historicidade que marca a loucura, o que por meio do exame crítico e rigoroso de fontes e alinhado a um arsenal teórico-analítico que objetive a reconstrução do passado relativo ao universo da alienação possibilita a elaboração de uma interpretação histórica.
No que diz respeito às fontes que podem ser mobilizadas para empreender os estudos acerca da loucura, podem se referir a: documentos médicos (prontuários, laudos, fichas de observações), materiais elaborados por pacientes (cartas, desenhos, poemas, contos), documentos institucionais (atas e relatório de reuniões, folha de ponto, contratos), notícias de periódicos, guias policiais. A seleção da tipologia documental que será acionada na pesquisa está diretamente relacionada ao objeto de investigação pretendido, no meu caso, por exemplo, que investigo como as categorias de “desvios” de gênero e sexualidade foram apropriadas pelos médicos do Pavilhão de Observações do Hospício Nacional de Alienados, tenho como corpus documental as observações clínicas elaboradas pelos médicos.
Enfim, independente dos objetos de interesse, das fontes históricas mobilizadas para investigação, das diretrizes adotadas como orientação para análise, o mais importante é que a História Social da Loucura possibilita apresentar um mundo que foi sufocado e, por vezes, esquecido, além dar voz e agência a sujeitos que foram silenciados e marginalizados, ora por seus contemporâneos e pelas instituições que os abrigaram (os hospícios), ora pela negligência do próprio conhecimento histórico que, ao optar por outras problemáticas, deixou de lado uma dimensão da sociedade. É válido ressaltar ainda que os estudos nesse campo no Brasil têm se desenvolvido muito desde a década de 1980, já temos um hall de pesquisadores que se interessam e produzem sólidos estudos. Meu desejo, enquanto historiador em formação, é que meus pares se interessem cada vez mais por esse universo fascinante!
*Ygor Martins é historiador em formação pelo Instituto de História da Universidade do Rio de Janeiro. Bolsista de Iniciação Científica no Departamento de Pesquisa em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (FIOCRUZ/CNPq) e estagiário do Departamento de Memória da Cidade no Instituto Pereira Passos (IPP-Rio). Membro do Comitê Editorial da Revista Outrora. Seus estudos se voltam para a relação entre literatura e história, história da loucura, história da saúde no Brasil, história dos saberes médico-psiquiátricos, história das subjetividades.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8432683662546331
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