Quem acompanhou as notícias veiculadas nos últimos meses, pôde se inteirar
a respeito dos diversos ataques (incluindo uma tentativa de agressão física) sofridos por
Judith Butler, filósofa pós-estruturalista norte-americana, que tem como campo de
estudos teoria queer e de crítica feminista. Judith desembarcou no Brasil no início do
mês de novembro de 2017 com o objetivo de realizar uma série de palestras a respeito do seu trabalho, e desde então, muitas foram as tentativas de impedir a realização desses
eventos por grupos reacionários que veem nas teorias de gênero uma ameaça a sua
suposta segurança identitária no mundo. Mas afinal, qual o grande mal e perigo temido
em se debater esse assunto?
Os estudos de gênero têm uma ligação histórica com o movimento feminista.
Desde o século XIX, no contexto da primeira onda do movimento, mulheres como
Emmeline Pankhurst, Louise Otto-Peters, Mary Wollstonecraft e Sojourner Truth,
sofreram na pele a opressão e perseguição impostas por uma sociedade patriarcal que
não aceitava facilmente suas reinvindicações por uma equidade política, econômica e
educacional. Mais tarde, já na década de 40 do século XX, Simone de Beauvoir lança na
França o conhecido livro “O segundo sexo”, referência nos estudos da área ainda hoje, e
também não escapa das hostilizações sofridas por conta de suas ideias de desconstrução
de uma identidade feminina fundamentada puramente por questões biológicas.
Seja sob uma análise histórica, social ou antropológica, faz todo sentido que
questões de construção de identidade e papel do sujeito no mundo sejam estudadas
longe de qualquer viés biológico, intrínseco ou “natural”. Gênero se relaciona à cultura
e está diretamente ligado à construção social de diferenciação dos papéis sexuais. Essa
questão se tornou tão inquietante e importante nos estudos das ciências sociais, que hoje
se apresenta como uma prática interdisciplinar entre áreas como história, geografia,
literatura, comunicação, direito, entre tantas outras. Nesse sentido, a historiografia
passou a repensar o saber histórico, sob a constatação de que toda a condição feminina
representada é fruto desse processo de construção social, originando assim o campo da
História das Mulheres, bastante amplo e diversificado nos assuntos e práticas
metodológicas abordadas.
Hoje, filósofos como Judith Butler, Sue Ellen Case e Paul B. Preciado,
enriquecem e atualizam as pesquisas da área, trazendo à tona o debate sobre a Teoria
queer, que busca aprofundar os estudos de gênero além da dicotomia entre homem e
mulher. O trabalho desses pesquisadores investiga como a orientação e identidade
sexual são resultado de uma construção social, recusando a classificação dos indivíduos
em categorias universais pré-estabelecidas, pois elas por si só já seriam resultado da
cultura a que estão inseridas.
O tema “gênero” é extenso, complexo e impossível de ser debatido em apenas
algumas linhas aqui no blog. A grande ideia a ser fixada disso tudo é que todos os
estudos da área sempre buscaram questionar as desigualdades existentes entre homens e
mulheres e compreender os indivíduos dentro de suas particularidades, pluralidades e,
acima de tudo, liberdades. Sendo assim, não deveriam gerar tanto ódio naqueles que
urram aos sete ventos serem contra a tão temida “ideologia” de gênero. A resposta à
pergunta inicial seja talvez respondida com a explicação mais simplista de todas: medo
de mudanças. Mas, como diria o sábio poeta Mário Quintana, “ todos esses que aí estão
atravancando meu caminho, eles passarão, eu passarinho”, porque a história não é feita
de estática.
*Viviane Oliveira é publicitária, formada pela ECO e trabalha na área de televisão atualmente. Historiadora em formação pelo Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro e colaboradora da revista Outrora. Suas áreas de interesse são História das Religiões, História
Social, História das Mulheres, História e literatura e História do Rio de Janeiro.
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