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Povos sem história?


Durante muito tempo a história indígena era vista como incapaz de ser estudada. Os povos indígenas, não possuindo registros próprios de sua cultura e sociedade que se encaixassem nos modelos europeus do fazer histórico – que, em geral, consistiam em documentos escritos e oficiais –, acabavam por ser considerados como povos desprovidos de história e, consequentemente, de desenvolvimento e civilização. No Brasil, um historiador do século XIX, Francisco Adolfo de Varnhagen, chegou a afirmar que os indígenas seriam “a infância da humanidade”. Por muito tempo, os únicos meios de estudar as comunidades indígenas do passado eram através de pinturas e relatos de viajantes europeus que entravam em contato com esses povos, registrando o modo de vida dos nativos, sem deixar, contudo, de atribuir aos relatos os preconceitos que rodeavam o imaginário europeu sobre as sociedades indígenas da época.


Como, então, seria possível estudar os povos indígenas sem fazer uma história eurocêntrica? Como desmistificar a imagem que foi criada do indígena como um ser desprovido de ações e completamente passivo ao longo da história?

Com a crescente ruptura com as formas historiográficas tradicionais, houve um consequente surgimento de novas possibilidades de análises em História. As fontes documentais passaram a não mais serem as únicas passíveis de utilização para o estudo do passado, tendo a interdisciplinaridade se tornado uma realidade em que os estudiosos vêm se apoiando cada vez mais.


A Antropologia, pioneira em colocar o indígena como indivíduo que constrói sua própria relação com o mundo, possui uma grande relação de troca com a História, no que considero como um dos aspectos mais importantes a preservação e valorização das tradições orais dos povos indígenas, reafirmando a importância do uso de modos não tradicionais no estudo dessas sociedades.


Outra forma de alcançar os vestígios das sociedades indígenas é por meio do estudo de sua cultura material, que se dá através, principalmente, da Arqueologia. Por meio de escavações e estudos arqueológicos, muito das culturas de diversas comunidades indígenas que povoaram variadas regiões do Brasil pôde ser acessado. Para mim, enquanto futura estudiosa da área, o que a Arqueologia fornece de mais único é a possibilidade de termos contato com formas culturais e de organização da vida dessas comunidades mesmo antes do contato com os europeus; muitos sítios arqueológicos no Brasil têm datações com mais de 5000 anos AP (Antes do Presente), por exemplo.


Com a contribuição de diferentes áreas do conhecimento, a História percebeu que não mais podia considerar o indígena como um ser sem história. O espaço desse agente histórico, há muito retirado por uma visão de mundo eurocêntrica e marginalizante, tem sido cada vez mais reconhecido. É importante que esses esforços quebrem as barreiras acadêmicas e atinjam a sociedade, para que discursos tradicionais que colocam o indígena como um agente passivo, que vemos há muito sendo reproduzidos socialmente, possam ser questionados e reformulados. Precisamos não somente reconhecer a existência de diferentes narrativas sobre a história, mas retirar de muitas o valor de verdade absoluta que a elas foi atribuído, para que possamos ter em mente diferentes perspectivas, principalmente no que diz respeito aos discursos “vencedores” ao longo da história, impregnados de visões autocentradas e incompletas, que, apesar de úteis ao historiador, não podem ser tomadas como fim em si mesmas.




*Taís Capucho encontra-se no 6º período em licenciatura e bacharelado em História na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista de Iniciação Científica no Laboratório de Arqueobotânica e Paisagem do Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ. Colaboradora da Revista Outrora. Suas áreas de interesse são História Indígena, História das Mulheres, História do Brasil Colonial e Arqueologia.


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