top of page
Foto do escritorOutrora

Revistas discentes, sociedade e história

Atualizado: 8 de jan. de 2018


Em 1988, um grupo de estudantes recém-formados do curso de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) criou uma inovadora revista, a Arrabaldes. Acredito que o título de “inovadora” é merecido. Em primeiro lugar porque a Arrabaldes surgiu em uma época em que as revistas discentes eram escassas no meio acadêmico brasileiro. Estudantes de graduação e egressos, especialmente professores de História no Ensino Básico, encontravam pouquíssimos veículos nos quais pudessem publicar suas pesquisas e registrar suas experiências. Em segundo lugar porque seus jovens organizadores trouxeram à superfície um debate que parecia um tanto esquecido ou até mesmo ignorado à época”: a interação da produção histórica e historiográfica com a comunidade. No primeiro número da revista, intitulado “por uma história democrática”, um corajoso manifesto defendia uma revista discente alinhada com as demandas de graduados e defendia com unhas e dentes a importância de uma aproximação entre a academia e a sociedade.


Quase 30 anos se passaram desde a Arrabaldes e as revistas discentes em História parecem ter fincado suas bandeiras em departamentos, pós-graduações e institutos da área. Em suas páginas, circulam ideias, manifestos, resenhas, entrevistas e, claro, muitos artigos – para muitas pessoas, eu diria, o primeiro artigo publicado na vida acontece em uma revista discente. E é este mesmo seu principal objetivo: permitir ao estudante e ao egresso o compartilhamento de seus trabalhos. Além disso, elas estimulam desde cedo a prática da pesquisa. Revistas discentes são, em suma, fundamentais porque contribuem para construir aquilo que chamamos de comunidade científica.


Não obstante, eu gostaria de frisar outro objetivo igualmente nobre que revistas discentes também podem almejar a aproximação da sociedade com a universidade. A Arrabaldes dizia isso lá no final dos anos 1980 e acho que tal premissa continua válida em nossos dias. Entendo que as revistas discentes podem também divulgar o conhecimento histórico produzido na universidade para o grande público de forma a problematizar suas práticas sociais, incluindo esse público nos debates que nós, historiadores, realizamos em nossas salas de aulas, conferências e simpósios, e que isso seja feito sempre de forma ética, emancipatória, compreensível, dialógica e responsável. As revistas discentes são formadas quase sempre por jovens historiadores e historiadoras e isso é uma vantagem para a concretização desse objetivo. Afinal de contas, jovens, via de regra, estão sempre dispostos a inovar, a romper com antigas estruturas e a propor novidades.


Durante muito anos, os historiadores permaneceram afastados do grande público. Em geral, a conexão com o leitor não especialista, isto é, aquele que não é historiador, mas que se interessa por História, que consome História nas bancas de jornais ou nas livrarias, foi deixada para o jornalista, que, a propósito, muito rapidamente estabeleceu esse diálogo. Hoje, quem mais escreve sobre história para o grande público não é o historiador, mas o jornalista. Não me parece um problema que não historiadores escrevam sobre o passado.

Mas me incomoda o fato de que nós, historiadores profissionais, escrevemos ainda tão pouco para o grande público. E me incomoda mais ainda que isso aconteça em uma época em que temos muitos bons meios para fazê-lo (vide as novas mídias) e urgência – haja vista os ataques que as Ciências Humanas vêm sofrendo nos últimos anos. Precisamos, desta forma, repensar nossas políticas de divulgação acadêmica de História. É preciso desenvolver estratégias para fazer o saber historiográfico circular para além da universidade. E mais: trabalhar duro para que este saber faça sentido para as pessoas.


É com esperança e animação que encaro o nascimento da Revista Outrora, revista discente do Instituo de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desejo que a revista, que acaba de nascer, possa cumprir um duplo papel: o de promover a pesquisa de jovens historiadores e, ao mesmo tempo, de tornar essa pesquisa visível ao grande público, de forma a aproximar sociedade e universidade. O desafio é enorme. No entanto, eu deposito minhas fichas nessa geração aguerrida e potencialmente revolucionária que eu vejo todos os dias quando entro na sala de aula. Que a força esteja com vocês!



*Bruno Leal é professor substituto de Teoria da História no Instituto de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vinculado ao Programa de Pós-Graduação da UFRJ pelo Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD). É doutor em História Social pela UFRJ (2015), mestre em Memória Social pela UNIRIO (2009), pós-graduado em História Contemporânea pela PUCRS (2010), graduado em História pela UFRJ (2006) e em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo pela UFRJ (2006). É fundador e editor do portal Café História, além de cocoordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos e Árabes da UFRJ (NIEJ). É membro da Rede Brasileira de História Pública e da Associação das Humanidades Digitais. Seus campos de interesses incluem: estudos do Holocausto, crimes de guerra, história pública digital e divulgação de história.

0 comentário

Comments


bottom of page